sábado, 1 de dezembro de 2012

A tola missão de fazer poemas



Solto


Eu cumpro na terra a minha missão
tolíssima de escrever poemas.
De retalhar palavras e empilhar histórias
do arco-da-velha e velhas memórias.
Eu cumpro na terra minha missão
de conhecer meninas pro meu coração
e de roubar pedaços do teu dia-a-dia
e arrebentar cadarços de meninas novas
e buscar estrelas nas manhãs chorosas
e escrever poemas de ponta porosa
e encharcar mil terras de maneira óbvia
e nesta rodovia ultrapassar mil carros
e não fazer problemas de milhões de escarros
aguentando a barra dum trabalho escravo
o cravo na lapela e na janela o jarro
o jarro na capela e na capela o padre
o padre na miséria e na espera a madre
a madre no poema e no poema o povo
o povo na gandaia a saia ergueu de novo
o novo no poema é estar sempre
solto.

Otacílio Monteiro
Poematéria, 1989 - esgotado


Otacílio Monteiro, no Museu da Língua portuguesa (2004)

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