Solto
Eu
cumpro na terra a minha missão
tolíssima
de escrever poemas.
De
retalhar palavras e empilhar histórias
do
arco-da-velha e velhas memórias.
Eu
cumpro na terra minha missão
de
conhecer meninas pro meu coração
e
de roubar pedaços do teu dia-a-dia
e
arrebentar cadarços de meninas novas
e
buscar estrelas nas manhãs chorosas
e
escrever poemas de ponta porosa
e
encharcar mil terras de maneira óbvia
e
nesta rodovia ultrapassar mil carros
e
não fazer problemas de milhões de escarros
aguentando
a barra dum trabalho escravo
o
cravo na lapela e na janela o jarro
o
jarro na capela e na capela o padre
o
padre na miséria e na espera a madre
a
madre no poema e no poema o povo
o
povo na gandaia a saia ergueu de novo
o
novo no poema é estar sempre
solto.
Otacílio Monteiro
Poematéria, 1989 - esgotado
Otacílio Monteiro, no Museu da Língua portuguesa (2004)